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Há alguma coisa no diferente, no que é estranho para a gente e no que se distancia do que conhecemos que, de alguma forma, é instigante. Hoje, reconheço que são as diferentes manifestações culturais e como cada uma marca determinada cultura de formas totalmente distintas (ou nem tanto assim).

A Ásia é um território desses, que instiga e faz questionar. Na hora de vasculhar a série documental Street Food: Asia, uma imagem logo saltou aos olhos. Estranho, diferente, chamativo demais para “ser comida”. Era uma versão modernizada (ou gourmetizada?) da iguaria chamada jajan pasar, que é basicamente um petisco doce vendido nas ruas da Indonésia, sendo a comida de rua mais antiga registrada no país, com origem no século VIII.

Mbah Satinem, uma mulher idosa, é responsável por uns dos mais famosos jajan pasar vendidos nas ruas da cidade de Yogyakarta, que fica na Ilha de Java na Indonésia. Feito a partir de açúcar de palma, arroz glutinoso, mandioca e coco, o que a destaca é a forma tradicional que o doce carrega em sua maneira de ser feito e em seu sabor.

Na cidade, as mulheres idosas são a maior parte das pessoas que vendem comida de rua, sendo, muitas vezes, também, as provedoras das suas famílias. Elas têm entre 70 e 90 anos de idade e muita história marcada em seus corpos e suas comidas. À primeira vista, podemos questionar a curvatura corporal e o trabalho em uma idade considerada, por nós, já avançada. Mas é a expressão cultural javanesa presente ali em seus dias, tradições, corpos e comidas. É o reflexo de uma tradição que acorda no começo da madrugada e já prepara a comida que será vendida nas ruas em panelas acesas com lenha e em posições perto do chão, diferente do que estamos acostumados.

Segundo o apresentador do episódio, Kevindra, a comida de rua é o que representa o povo e a cultura da região, sendo quase uma “cápsula do tempo, porque eles ainda fazem tudo de maneira ancestral, principalmente na comida de rua”. O que é fortemente marcado nos discursos de Mbah Satinem, que aprendeu a fazer jajan pasar à maneira tradicional com sua mãe, figura que tem fortemente em seu coração e de quem fala cheia de amor e carinho. Ela nunca mudou ou adaptou a receita, até porque mudar a receita é, inclusive, considerado quase como uma blasfêmia contra a cultura local.

Portanto, junto a outras Mbah’s ‒ que logo percebi que antecede o nome de várias mulheres idosas e que, na realidade, é expressão para “vovô” e “vovó” ‒, Mbah Satinem chega às ruas cedo e oferece uma viagem de afeto e ancestralidade em suas comidas. Em suas mãos, ela carrega as mãos e as expressões de sua mãe, de sua avó, de sua bisavó e de todas as mulheres que ajudaram a passar para a frente a expressão tradicional do jajan pasar em suas famílias; que ajudaram a passar para a frente, essencialmente, parte da cultura que marca a cidade.

E talvez não haja nada mais cultural do que o que cada região desse mundo encontrou nas raízes e nas plantas e transformou em comida, afeto e tradição, e como durante a trajetória, o saber ancestral tornou a transportar o tradicional em presente. Afinal, se formos pensar, arroz, mandioca e coco também são encontrados no Brasil. Mas o jajan pasar, a tradição de sua realização ancestral e o paladar sem igual, só na Indonésia com mulheres como Mbah Satinem.

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