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Há mais de dez anos, tive a oportunidade de trabalhar com uma pesquisadora nascida na cosmopolita Hong Kong, do outro lado do mundo. Chamá-la de \"chinesa\" é quase um exagero: ela veio para o Brasil com apenas um ano de idade e foi criada no bairro da Liberdade, em São Paulo.

No dia a dia, me surpreendia um pouco o comportamento dessa colega porque, apesar de jovem, era muito responsável e tinha planos concretos para a abertura de seu próprio negócio. Não que brasileiros na casa dos 20 e poucos anos não demonstrem tal postura, mas é algo que costumamos ver nas classes mais populares, para as quais a necessidade de sobrevivência se sobrepõe à irresponsabilidade típica da faixa etária.

Um dia, ela me contou que chegou a ir à China visitar a cidade natal e os parentes que lá ficaram em duas ocasiões. Apesar de Hong Kong ser a mais ocidental das metrópoles chinesas, uma vez que foi colônia britânica até 1997, ela me confessou que aquelas experiências fizeram com que ela sentisse que não pertencia a nenhum lugar: se no Brasil ela era chinesa, na China identificavam imediatamente que ela não era de lá.

O modo de se vestir, de se portar, de se comunicar e até mesmo as expressões de seu rosto denunciavam seu \"estrangeirismo\". A própria língua exige a articulação de diferentes músculos da face para se falar português, mandarim ou cantonês, modificando nosso jeito de ser e também nossa aparência.

Crescida em São Paulo e cercada por orientais, minha colega recebeu transmissão cultural tanto dos brasileiros quanto dos chineses de sua família e comunidade. Aprendeu, treinou e imitou comportamentos e o jeito de falar das duas nacionalidades. Ao visitar Hong Kong e ser identificada como alguém de fora, a surpresa foi somente dela: para a antropologia, era claro que ela era muito brasileira para se passar por chinesa.

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