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O livro de receitas da avó. O segredo do molho do pai. O aroma que desperta a lembrança de um evento de família. Comida é sempre um tema que toca, pega fundo e trás lembranças. E não tive como fugir disso ao assistir a série Street Food América Latina.

Como filha de um peruano que chegou ao Brasil por volta de seus 20 anos e passou os quase 50 anos seguintes sentindo falta da terra natal, tive uma amostra de como a comida é uma forma de matar as saudades e acessar as raízes para não deixar que elas se percam. Isso porque meu pai tinha na comida a maneira dele mostrar de onde veio, os seus costumes e o que sua mãe o ensinou. Em outras palavras, quem ele era.

E sempre tivemos a comida peruana como uma identidade nossa em casa. Tanto que recentemente uma amiga me falou: “Vi o episódio de Lima do Street Food América Latina e lembrei muito de você!”. Fiquei curiosa para ver a série mas, não sei bem porquê, comecei pelo episódio de Bogotá, e não pelo de Lima.

Como capital da Colômbia, Bogotá apresenta maior nível de desenvolvimento econômico do que outras cidades e apesar de ter sido muito marcada pelo narcotráfico, atrai pessoas em busca de melhores oportunidades vindas das mais diversas regiões, tanto da própria Colômbia como de países vizinhos.

Dentro desse grupo de imigrantes, um que se destaca é feminino. Muitas sem a educação formal da gastronomia, essas mulheres buscaram na cozinha (lugar que lhes foi atribuído pelas tradições e características machistas do país) uma fonte de renda, de independência, de sustento de suas famílias. E, claro, uma forma de lembrar e honrar as pessoas que ensinaram essas receitas a elas.

As mulheres cozinheiras do episódio têm em comum também o local de trabalho, a Plaza de Mercado, uma espécie de praça de alimentação em um mercado de rua que reúne várias barraquinhas de comida. E não é qualquer comida, é comida de rua.

A comida “surge” quando juntamos o alimento que a geografia e a natureza de uma região oferecem com a maneira que cada povo prepara, adapta, cozinha o alimento seguindo seus costumes e tradições. E o que encanta em relação à comida de rua, principalmente quando queremos conhecer a cultura de um país, é o fato de ela ser essa mistura em sua forma mais fiel, sem a maquiagem que muitos restaurantes renomados colocam como forma de querer agradar um paladar mais amplo.

Se para a Antropologia a cultura é a lente com que vemos o mundo, aquilo que é ensinado através de gerações para se viver naquela sociedade, a culinária é uma das mais relevantes e sinceras expressões culturais. A comida de rua de Bogotá é o que é porque reúne o conhecimento dessas mulheres, vindas de diferentes regiões, e oferece as mais variadas opções, onde é possível, inclusive, encontrar um mesmo prato com receitas diferentes, refletindo cada região de origem.

Pensando agora, talvez eu tenha deixado o episódio de Lima para quando estiver mais pronta para lidar com as lembranças que a comida peruana me traz. Nesse quesito, ainda tenho muito a desenvolver do meu mindset antropológico.

(Foto: www.foodies.com.co / Tika Palacio)

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