{"status":200,"response":{"result":"PUBLIC_ARTICLES_RETRIEVED","data":{"count":1,"content":[{"id":"60a3214992fc38152ecd718c","updated":"2021-05-27T22:06:33.378Z","created":"2021-05-18T02:07:04.846Z","statuses":{"approval_status":"approved","publish_status":"published","visibility_status":"public","has_pending_changes":false,"is_pinned":false,"is_paywall_disabled":false,"scheduled_date":null,"rejection_reason":null},"metadata":{"location":"home","location_slug":"blog","content_type":"post","publish_date":"2021-05-27T22:06:33.563Z","likes_count":0,"bookmarks_count":0,"comments_count":0,"score":"2021-05-27T22:06:33.563Z","sharing_title":"Quando a cultura revela mazelas","sharing_description":null,"sharing_image":"https://5f1ae31a2b397e299b74e383.redesign.static-01.com/f/images/9ea6a865d12136dd04206bf1bba11a3fcba136e8.jpg","tag_ids":["5f3aeee276828206b5850e2a","5fac3405b302925394c6b0f8","60a3214892fc38152ecd718a","60a3214892fc38152ecd718b"],"author_user_id":"60268b10b7734866b0376379","moderator_user_id":"5f8ddcae6452e87432b42d25","project_id":"5f1ae31a2b397e299b74e383","course_id":null,"course_module_id":null,"group_id":null,"version":1,"tags":[{"id":"5f3aeee276828206b5850e2a","title":"cultura","slug":"cultura","project_id":"5f1ae31a2b397e299b74e383"},{"id":"5fac3405b302925394c6b0f8","title":"VIAGEM","slug":"viagem","project_id":"5f1ae31a2b397e299b74e383"},{"id":"60a3214892fc38152ecd718a","title":"Mazelas","slug":"mazelas","project_id":"5f1ae31a2b397e299b74e383"},{"id":"60a3214892fc38152ecd718b","title":"Defecam","slug":"defecam","project_id":"5f1ae31a2b397e299b74e383"}]},"content":{"title":"Quando a cultura revela mazelas","slug":"quando-a-cultura-revela-mazelas","cover_image":"https://5f1ae31a2b397e299b74e383.redesign.static-01.com/l/images/9ea6a865d12136dd04206bf1bba11a3fcba136e8.jpg","headline":"O estranhamento mora no mesmo campo do incômodo, mas ele se torna ainda maior quando se trata do íntimo das pessoas. Esses assuntos tocam mais o outro, negativa ou positivamente.","main_content":"

O estranhamento mora no mesmo campo do incômodo, mas ele se torna ainda maior quando se trata do íntimo das pessoas. Esses assuntos tocam mais o outro, negativa ou positivamente. Não é à toa que as pessoas ainda lidam com alguns temas sexuais como tabu ou até mesmo sobre os nossos medos e inseguranças com receio. Agora eu me pergunto, e quanto a assuntos escatológicos?

Me espanta como algo natural ainda causa tanto constrangimento quando acontece ou se torna piadas depois que passamos pelo sufoco. Eu por exemplo, tenho uns casos que poderia até contar mas não serviria para nenhum estudo antropológico no momento, apenas para risadas.

Entretanto, queria falar a respeito da minha primeira viagem ao interior da Bahia para conhecer a origem do meu pai. Aviso desde já que esse é um relato do meu encontro com um hábito que eu imaginava estar erradicado.Talvez por eu ser a filha caçula e uma das crianças mais novas da família que vivia escutando como todos evoluíram ao sair da Bahia e fazer a vida em Brasília. Eu não imaginava como seria “retroceder”.

Nessa viagem eu presenciei pessoas cozinharem num fogão a lenha, amassei farinha no pilão, andei com uma blusa pink junto a uma boiada atrás dos meus pais sem nem entender o risco que corria. Poderia dizer que depois que meu pai me contou do risco que corri, caguei na roupa. Mas a história que eu quero contar não é essa.

Acontece que depois de uma longa viagem, eu precisei fazer as minhas necessidades. Perguntei para os meus pais onde ficava o banheiro e só me deram um rolo de papel. Enquanto os mais velhos riam, eu me questionava quem ia me direcionar o caminho do banheiro.

Eis que minha mãe com certa compaixão, mas ainda rindo, me leva para o enorme matagal cheio de folhas secas no chão. Vale citar que momentos antes eles conversavam sobre uns porcos haviam por lá. Enquanto eu estava andando, imaginava onde minha mãe estaria me levando e até se já não tinha papel higiênico no tal banheiro.

Então chegamos. Era um local longe o bastante da casa, mas perto o suficiente para fazer um caminho reto. Havia uma árvore enorme e com um tronco largo. O banheiro poderia ser lindo e agradável se fosse apenas uma trilha para admirar a natureza e não para reafirmar a natureza do ser humano de evacuar.

Eu juro que na minha cabeça imaginava que os porcos de lá seriam como javalis e por conta da minha imaginação fértil e a posição meio vulnerável, fiquei muito desconfortável.

Eu olhava para trás, olhava para minha mãe, via se não sujava a calça ou o sapato. Olhava para todos os lados e eu só pensava se eu ainda conseguiria fazer o que tinha ido fazer ali. No final, consegui.

Depois disso achei que não poderia piorar, mas para minha infelicidade de criança que nunca tinha passado por isso e que tinha medo do escuro, piorou. De noite, enquanto eu e minha irmã dividíamos um único e fino colchão, me senti apertada e mais uma vez precisei da companhia da minha mãe para encontrar o desconhecido.

O medo foi tão grande que ao longo da viagem fui educando meu organismo a não precisar sair pela mata de noite. Assim como tive que me acostumar a tomar banho em um barraco de madeira, com um chuveiro improvisado. Era uma mangueira ligada a uma torneira em uma ponta e na outra, uma latinha com furos na base. O banho precisava ser cooperativo e enquanto um banhava, outro precisava controlar a água que saia (e tenho outra história sobre isso, mas não vem ao caso).
Ainda me lembro da alegria do meu pai ao me mostrar a sua origem, do alívio do meu avô de se reencontrar com o que era familiar para ele e das risadas dos outros familiares ao observarem eu e minha irmã reagindo a essa cultura estranha para nós. Mas ao relatar essa história, consigo observar como a cultura se constrói em meio a inúmeros fatores e infelizmente um deles é a desigualdade social.
Percebi como ao ultrapassar a margem, as pessoas olham para ela até com um saudosismo e um ar de conquista, enquanto quem está inserido nela até pode almejar sair, mas normaliza o ambiente por ser familiar.

Fora do Contexto

A respeito dessa ferramenta antropológica que é o estranhamento, gostaria de indicar a música Índia dos Gilsons com a Júlia Mestre que retrata bem como a gente pode lidar com o desconhecido:

“Deixa que a dúvida venha a respeito da vida. Iluminado seja aquele que já sabe o que é e eu já não sei quase nada sobre tudo de você. Melhor não saber nada, assim posso entender”

E de fato, melhor não saber nada.

Principalmente sobre tudo o que eu disse, mas era preciso.

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Eu juro que na minha cabeça imaginava que os porcos de lá seriam como javalis e por conta da minha imaginação fértil e a posição meio vulnerável, fiquei muito desconfortável.

Fora do Contexto

A respeito dessa ferramenta antropológica que é o estranhamento, gostaria de indicar a música Índia dos Gilsons com a Júlia Mestre que retrata bem como a gente pode lidar com o desconhecido:

“Deixa que a dúvida venha a respeito da vida. Iluminado seja aquele que já sabe o que é e eu já não sei quase nada sobre tudo de você. Melhor não saber nada, assim posso entender”

E de fato, melhor não saber nada.

Principalmente sobre tudo o que eu disse, mas era preciso.

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