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Sabe aqueles draminhas, séries fofas, que você vê e fica cheio de amor para dar? Foi assim que um grande amigo meu veio tentar me convencer a assistir uma série coreana que estava na Netflix, chamada Something in the Rain.

Verdades na mesa: fiquei com muitos pés atrás antes de começar. Logo falei para ele que eu era colonizada demais, porque não conseguia assistir séries orientais pela barreira da língua. Mas, com uma lista enorme de séries para me atualizar, achei muito mais viável incluir uma nova. E lá fui eu.

Something in the Rain conta o florescer de uma história de amor entre uma mulher de 35 anos e o irmão mais novo, de 20 e poucos anos, de sua melhor amiga. E logo a narrativa se revela para muito além de uma história de amor.

Em poucos episódios, eu me vi mandando mensagem para o meu amigo “cara, o que tá acontecendo? Eu estou me sentindo uma adolescente apaixonada, daquelas mais bobas possível”. E era uma sensação muito esquisita, de autocondenação, quentinho no coração e vergonha, tudo ao mesmo tempo.

Acho que nem na época eu entendia isso, mas depois de assistir à aula 4 (Narciso acha feio o que não é espelho), fez sentido. A expressão do amor na série é retratada de uma forma estranha para mim, brasileira acostumada com o afeto (e as emoções) à flor da pele.

Na série, o afeto é demonstrado de uma forma cuidadosa, dentro da relação amorosa. Era quase como se o homem, principalmente, desempenhasse um papel de acolhimento e proteção, mas não como estamos habituados.

Aliás, muitas situações eram totalmente estranhas, ao mesmo tempo que tinham um fundo de identificação, mas sempre (e sempre mesmo!) de uma maneira que é totalmente diferente do que o costume para nós no Ocidente.

De todo modo, cabe rebobinar um pouco. Quando fui instigada a assistir à série, respondi meu amigo com áudios e vídeo bolinhas (como carinhosamente chamo os vídeos que é possível gravar no Telegram). Eu falava sobre a dificuldade de assistir produções orientais, pois, sempre que tentei, tinha um pré-conceito.

As línguas orientais me soam como uma narração. Cheguei a mandar para o meu amigo o tanto que eu estava chocada com como eles (coreanos) se comunicam verbalmente:

\"Algumas coisas que eu já tentei assistir, parecia sempre que eu estava assistindo uma narração, não sei explicar, porque é muito diferente a língua, inclusive a entonação. É muito diferente de como a gente se comunica verbalmente e é muito estranho, porque isso é meio que um choque pra gente. Parece que eles dão ênfase para coisas que a gente fica 'filha, por que você está gritando?' sendo que eles não estão gritando.\"

Em outro momento, eu me senti mal de expressar no áudio a minha concepção sobre as culturas orientais, que costumava associar a um ultra tradicionalismo e conservadorismo, no sentido quase careta, digamos assim.

E qual foi o meu choque ao perceber que, pelo menos aparentemente, a cidade funcionava de forma que não era tão diferente do que conheço? Fiquei chocada com algo que pode ser considerado tão básico e simples. A vida social também me instigou, porque, como aqui, as mulheres saíam para beber à noite, ir a um restaurante com o namorado e fazer compras em uma loja de roupas como as da minha cidade.

Eram coisas tão básicas, que eu não esperava ver, e, ao mesmo tempo, era uma revelação de como eu tinha uma visão limitada, midiatizada e enviesada do que é ser mulher no Oriente.

Mas a série foi me mostrando que a aparência entregava uma experiência que eu parecia conhecer, mas que iria me revelar ali, na vivência de cada episódio, um estranhamento total.

Como boa taurina, os hábitos alimentares logo saltaram aos meus olhos. Além de comerem muito e serem bem pequenos (pelo menos os personagens), não há vergonha em apenas comer como quiser, mastigando a quantidade de comida que couber na boca e pegando de vários pratos diferentes tudo de uma vez só sem critério nenhum, aparentemente.

A relação com a comida parece ser quase ritualística, ligando pessoas de uma forma tão espontânea e despretensiosa que chegava a ser bizarro. Como assim você está saindo com o cara pela primeira vez e enfiando esse tanto de comida na boca? E, pior, ele parece nem perceber como algo não natural.

Também estranhei muito as expressões corporais. Sou emocionada, grande fã de expressar. E, enquanto somos “grandes”, aqui no Brasil, e gesticulamos “grande”, sempre demonstrando muito bem o que sentimos, por lá, a situação é outra. Em uma cena, a personagem principal está sozinha no escritório que trabalha e resolve colocar uma música para dançar livremente. Um livremente que eu assistia e ficava pensando \"mulher, se solta, se mexe, libera tudo\".

Em outros momentos, me senti muito revoltada, pois ao invés de xingar alguém, os personagens simplesmente deixavam alguma situação de lado, se mantendo em silêncio.

Enquanto o nosso sangue parece que “ferve”, o deles é paciente. O nosso corpo todo se mexe para expressar nossas emoções, mas, na série, os personagens demonstram seus sentimentos de acordo com mudanças faciais absurdamente sutis e praticamente impossíveis de se perceber para nós, ocidentais.

Depois que comecei a entender que o que mudava eram linhas bem delicadas de seus rostos, me senti besta de achar que eles não se expressavam, não liberavam emoções, nem revelavam sentimentos.

Uma situação muito forte que marca a série é o assédio no local de trabalho, que também me causou estranhamento. A situação é tratada de uma forma pudica e muito particular. É um medo constante da denúncia, mas um medo que beira a vergonha pública e a desonra. E o mesmo acontece nas relações familiares: o que talvez mais me chocou.

O respeito aos pais é tão grande, que mesmo em momentos que considerei ser uma invasão enorme à privacidade dos filhos, os pais seguem sendo respeitados e pouco (ou quase nada) questionados. É uma relação realmente hierárquica, mas não no sentido que nós entendemos de hierarquia. Tem a ver com tradição, respeito e cultura.

Estranhava a falta de liberdade individual, a rigidez e até a forma como os pais, por serem mais velhos, deveriam ser tratados bem, independente do que fosse, em situações que se ocorressem comigo, eu me sentiria altamente violada.

Ainda, a relação da personagem principal, de 35 anos, com os pais, foi algo que me deu conforto e alívio em meio à nossa cultura do sair de casa e fazer a vida.

Na série, a personagem, com 35 anos, ainda mora com os pais. E, ao se pensar em uma série ocidental, muito provavelmente seria bizarro imaginar uma narrativa que além de apresentar o amor entre uma mulher de 35 anos e um homem mais novo que ela, ainda colocasse essa mulher morando na casa dos pais. Enquanto na série, é algo natural que nem chega a ser questionado, aqui, seria possível sinal de fracasso, e, talvez pior, sinal de comodismo.

E o mais revelador disso tudo talvez tenha sido que apesar do alívio que senti, sendo eu mesma uma mulher de vinte e tantos anos que ainda moro na casa dos meus pais, sei que, caso fosse uma produção dos Estados Unidos, do Canadá e até aqui do Brasil, eu acharia completamente deslocado e sem sentido ver a mesma situação. Ia achar tudo até \"irreal\" demais.

No final, assistir a Something in the Rain foi uma experiência que revelou muito sobre como me sinto e me porto diante de outras culturas. Enchia o Telegram do meu amigo com mensagens e impressões sobre a série. Era quase uma necessidade de contar tudo que me causava estranhamento e incomodava para alguém na mesma hora.

E, ao mesmo tempo, a série possibilitou que esse estranhamento me fizesse, também, olhar para os meus próprios comportamentos, hábitos e costumes. Estranhei minhas estranhezas. Questionei meus questionamentos. Condenei minhas falas. E o que extraio disso tudo, dessa bela viagem que foi relembrar alguns pontos que a série me causou e dessa aula de número 4, é que, de todo modo, a partir de agora, espero não colocar um peso julgador no meu estranhar, mas sim inquietação, observação e porquês.

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