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Minha avó tem 90 anos. Imagina tudo que ela passou: veio de uma pequena cidade da Paraíba, já morou em diversos lugares do Brasil buscando uma vida melhor para a sua família, criou 3 filhos, perdeu o marido cedo, teve que se virar e se recriar infinitas vezes. Mesmo com todos os percalços da vida, seus filhos conseguiram atingir um patamar social que para ela seria inimaginável. Todos têm estabilidade financeira e, conseguem hoje, proporcionar uma vida com conforto e tranquilidade para essa “senhorinha fofa”.

Hoje, com uma vida financeiramente saudável, tendo todas as comodidades providas da classe média, ela não abandona alguns hábitos que estão encrustados pela sua trajetória. Por mais que a gente tente, mostre e comprove que existem outras formas (até melhores) de fazer as coisas, alguns comportamentos serão os mesmos da realidade que a fez, por exemplo: não jogar NENHUM TIPO DE EMBALAGEM FORA.

Quando eu falo nenhum tipo, eu falo de nenhum mesmo que vai desde o saco de pão até as embalagens de vidro de geleia, perfume, maquiagem e por aí vai. Vinda da realidade onde ela viveu em que tudo era reaproveitável (minha mãe me contou que chegaram a vender sacos feitos de jornal velho na feira pra carregar as compras), ela ainda guarda diferentes embalagens dos mais diversos produtos para que, quem sabe um dia, ela possa ser reutilizada. Esse é um dos terrores familiares que temos com ela já que, como falei, não é só o famoso copo de requeijão, é todo e qualquer tipo de embalagem, mesmo aquelas que não são recomendadas serem reutilizadas. O resultado desse “caso de família” é que, ela muitas vezes esconde os “potinhos” para que ela possa aproveitar e, os filhos e netos (e eu me incluo nisso), tentam mudar a forma desse seu comportamento.

Ao observar esse hábito que nem deve ser tão peculiar da minha avó e sim de pessoas de uma outra geração, fiquei pensando porquê me incomodava tanto e a resposta veio logo de imediato: eu não passei pelas histórias que ela passou. Uma pessoa com 90 anos pode até viver em uma realidade que não foi a que foi criada, mas não esquecerá do que já aconteceu com ela. Ali, devem se passar inúmeros momentos de sofrimento, pobreza, batalhas e lutas pela sobrevivência que envolvem ter uma embalagem para guardar algo (isso quando se tinha algo).

O mesmo aconteceu ao ler sobre o comportamento dos Nacirema. São anos construídos baseados em mágicas e rituais que não serão compreendidos. Mesmo inserindo um desses indivíduos em uma sociedade diferente, seus hábitos e costumes continuarão, sejam de forma mais explícita como são feitas em rituais apresentados ou de uma forma mais sutil através de diferentes comportamentos que já lhe foram enraizados.

A compreensão sobre a sua realidade, sobre o universo que viveu não muda, mesmo mudando o seu habitat ou transpondo-o para realidade que não é a dele.

Assim como os Nacirema, aqui em casa não conseguiremos mudar a compreensão da realidade da minha avó. O que cabe à família é entender e, uma vez ou outra, quando ela não está por perto, jogar algumas (ou muitas) dessas embalagens fora.

Nota do moderador: Nacirema lido de trás pra frente quer dizer American. Horace Miner está falando do povo norte-americano, no qual ele se inclui. Não existe um povo chamado Nacirema. O texto busca justamente brincar com a ideia de exótico que temos quando olhamos para outros povos.

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