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Durante minha viagem a Cuba, a alternância entre o estranhamento e o familiar foi uma constante. Ao mesmo tempo que aprendia novos costumes e entendia a cultura cubana, reconhecia uma \"brasilidade\" em vários dos lugares por onde passava, o que é bem fácil de se explicar.

Assim como o Brasil, a ilha comunista está inserida no continente americano, sofreu colonização europeia, misturou os povos originários aos invasores e aos africanos feitos escravos, teve seu solo explorado em nome do que era rentável para o comércio internacional da época, enfim, o pacote completo resultante da era das grandes navegações. Se aqui temos a pinga, lá é o rum a bebida alcoólica proveniente da cana-de-açúcar; se para cá vieram os portugueses, para lá foram os espanhóis; aqui o arroz e feijão, lá o arroz congri (que, aliás, leva feijão); aqui o samba, lá a salsa; aqui o candomblé, lá a santeria.

De todas as características culturais dos cubanos, a que mais me indignou na época foi o machismo. Estamos falando de 2007 e a pauta feminista não era um assunto tão em moda aqui. Ainda assim, eu era uma mulher independente, dividia um apartamento com uma amiga e pagava minhas contas. Ou seja, dona do meu nariz.

Uma das casas em que nos hospedamos em Cuba, já no final da viagem, era de uma jovem senhora chamada Idália. Alegre, tranquila e carinhosa, ela morava sozinha e tinha um filho mais ou menos da nossa idade, que trabalhava com tecnologia (\"informático\", nos explicaram). Idália namorava Felipe, um homem grande, forte, com um vozeirão do tamanho do seu bigode.

Felipe visitou a namorada algumas vezes durante nossa estadia. Era uma situação muito inusitada: ele falava um espanhol carregado com um sotaque não sei de onde e meu namorado não entendia absolutamente nada. Eu tive mais sorte na compreensão daquele quase dialeto, só que Felipe não se dirigia a mim nunca. Ele conversava justamente com meu namorado, que me olhava com cara de desespero. Era uma conversa de malucos: Felipe falava com ele, eu respondia, Felipe continuava falando somente com ele, eu seguia sendo ignorada.

Obviamente já havia vivido inúmeras situações de machismo no Brasil antes disso, mas a clareza posta naquela situação foi chocante para mim. Sempre que ele se sentava à mesa, era servido, a ponto de simplesmente bradar \"Idália, água!\" quando estava com sede. Virou uma piada entre eu e meu agora marido: quando queremos ser servidos, repetimos a frase de Felipe.

Eu pertenço à geração das mulheres criadas para o mercado de trabalho, cujas mães foram donas de casa por falta de opção. Entretanto, pensando com mais cuidado, a geração das mulheres mais velhas da minha família, muitas na faixa etária de Idália, não conseguiram a independência que eu alcancei. Estamos todos, mulheres e homens de todas as gerações, à mercê do machismo, sendo mais ou menos afetados por ele, uma vez que vivemos em uma sociedade patriarcal.

O fato de Idália atender aos chamados pouco educados de Felipe é apenas um reflexo da sociedade em que ela foi criada - assim como minha mãe e tias abdicaram de uma carreira a partir do momento em que se casaram e tiveram filhos. Relativizando a situação, consigo entender o que na época enxerguei como submissão.

Em tempo: Idália e Felipe terminaram alguns anos depois da nossa estadia. Hoje ela tem um novo par e eu torço para que \"Idália, água!\" tenha ficado no passado.

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