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O ano era 1982.

Eu tinha pouco mais de 7 anos.

Havia testemunhado aquela Copa do Mundo com a seleção brasileira que, segundo muitos jornalistas esportivos, era a seleção capaz de nos trazer o título que desde a copa de 70 não víamos.

Eu morava numa cidade do interior no estado do Espírito Santo. Meu pai que era fanático por futebol, professor de educação física, assistia aos jogos com a TV ligada, o rádio de pilha colado ao ouvido e quando era gol do Brasil, o som da TV era aumentado, o rádio de pilha também e para completar a sinfonia na casa ainda ligava o recém chegado 3 em 1 gradiente para amplificar a alegria.

Eu era criança, claro, mas me lembro bem daquela sensação de alegria, euforia… uma mistura que guardo até hoje. Na rua onde morava, havia muros pintados com o mascote daquela copa, a Copa do Mundo da Espanha, o Naranjito, ou Laranjito como chamamos por aqui.

Havia uma euforia no ar. Na minha casa, o dia de jogo era uma festa. Nas ruas havia bandeirolas amarradas de fora a fora, ruas pintadas, muros desenhados com motivos da Copa.

“Aquela Copa devia ter sido nossa” ouvi um dia desses de um amigo que se tornou meu compadre… e prosseguiu: \"Nós tínhamos a melhor seleção. Os melhores jogadores do Brasil na época estavam lá. Foram convocados… mas não contávamos com o Paolo Rossi”. Esse meu compadre foi testemunha ocular da minha compreensão da sociedade sobre o indivíduo.

Meses depois daquela Copa, uma surpresa na minha casa. Nos mudaríamos para um outro bairro. Naquele momento a sensação era de um misto entre frustração por deixar uns poucos amigos no bairro antigo, aquelas memórias, as ruas, enfim. E a sensação de ter novos amigos em um novo bairro.

Eram os anos 80. Àquela época havia a expansão do negócio imobiliário em bairros residenciais. Este bairro era um desses naquela cidade. Meus pais estavam dando um upgrade social, saindo do aluguel e financiando o sonho da casa própria.

Nos mudamos para este bairro no mês de setembro.

Era um dia nublado quando chegamos ao novo bairro. Devia ter chovido bastante antes de chegarmos. Havia resquícios de lama, água empoçada e ruas ainda molhadas. Na hora em que chegamos, porém, não estava chovendo.

Meus pais foram dias antes para arranjar as coisas no apartamento. Arrumar os quartos e coisas assim.

Fui depois com eles.

Me lembro que quando cheguei no prédio fiquei um pouco sem reação em princípio. Porque se tratava de um prédio de 4 andares. Minhas experiências anteriores com o morar foram em casas e na mais remota lembrança, um sobrado.

O apartamento tinha uns janelões. Eram quatro andares que subíamos de escada.

Assim que cheguei, me lembro de ter dado uma olhada no apartamento. Escolhi meu lugar no quarto que dividia com meu irmão e desci para a rua com uma bola de couro que havia ganhado meses antes.

Tinha visto antes de subir para o apartamento, uma trave na frente da casa ao lado do conjunto de prédios. Me lembro de ter pensado que seria uma ótima ideia morar ali, visto que eu podia jogar futebol.

Naquele ano (eu devia saber! claro que não… rs) havia um certo espírito de copa pairando no ar. Eu achava mesmo que seria um grande jogador de futebol. Só por bater uma bola de vez em quando na varanda da minha antiga casa.

Naquele dia, desci e fui até a trave.

Estávamos eu e a trave apenas. Um diante do outro.

Eu batendo uma bola.

Quando chegaram dois garotos.

“Você está morando aqui?”

“Sim, no prédio”

“Você gosta de jogar bola?”

“Gosto muito”

Éramos eu com 7 anos, um deles com 8 e o outro com 10. O garoto de 10 anos disse: “Vai lá pro gol pra eu ver uma coisa…” Eu ainda pensava que seria um grande jogador de futebol. Embalado pelo ambiente e por todo aquele espírito de Copa do Mundo.

Fui para o gol… meio contrariado, afinal nunca tinha sido o goleiro e sim o artilheiro nas minhas copas da varanda/quintal.

Quando o garoto chutou a bola veio no meio peito. O chute foi tão forte que pensei ter perdido o ar naquele momento. Estava com uma camiseta clara, não sei ao certo se branca ou creme, e a bola tinha sido suja com lama. Fiquei marcado com uma bola e tanto na minha camiseta.

Outros eventos se sucederam após esta chegada ao bairro. Minha vida como jogador de futebol não durou muito mais que alguns eventos desta natureza. Eu ainda tentei de algumas forma, com alguns amigos, inclusive com estes mesmo que me recepcionaram no bairro, jogar futebol mais vezes.

Cheguei à conclusão de que seria melhor como um torcedor.

Naquele dia da bola no peito, a sociedade foi mais forte que eu. Avisou que preferia que eu fosse um espectador, mas volto ao tema, o espírito da época, a Copa do Mundo, A seleção de 82. Paolo Rossi. Tudo isso fazia com que eu acreditasse ser um jogador.

Não tinha talento para o futebol. Descobrir isso foi libertador e emancipatório, claro que anos mais tarde, tudo isso foi sendo mais maturado.

Aquela Copa também me mostrou isso.

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O futebol e uma bola no peito para pensar o dualismo indivíduo/sociedade.

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