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Quando os europeus tiveram contato com outros modelos de sociedade durante o período da colonização da África e das Américas, eles consideraram a relação desses povos com objetos encantados como uma crença irracional e sem sentido. O antropólogo Bruno Latour, porém, propõe que olhemos para as sociedades ocidentais com o mesmo estranhamento que os colonizadores olharam para as sociedades tribais. Nesse sentido, podemos reconhecer semelhanças entre a relação das sociedades tribais com objetos encantados e a relação das sociedades europeias não só com os amuletos católicos, mas também com a ciência moderna e com o consumo. Essa aproximação acontece sob um conceito importante resgatado e reinventado por Latour: o conceito de fe(i)tiche (tradução livre do francês faitiche).

Latour aponta que o fe(i)tiche se estrutura em 3 pilares principais: o primeiro é a crença que o objeto possui uma capacidade de agir para além da nossa própria decisão, ambição e desejo; o segundo é o esquecimento intencional de que aquele objeto foi feito por mãos humanas; e o terceiro é o não-questionamento da eficácia daquele objeto. Da mesma forma que esses pilares são observados nas relações com os objetos encantados nas sociedades tribais, eles também estão fortemente presentes nas sociedades capitalistas contemporâneas.

As tecnologias como o LinkedIn, por exemplo, têm poder porque gera empregos, gera networking e a gente esquece que ele foi inventado, como se estivesse presente desde sempre. O processo de construção do aplicativo, os algoritmos, os bastidores são intencionalmente tirados de foco, dando à tecnologia um status de amuleto.

Não é à toa que os apps têm uma face para o usuário, que é a face que funciona e que muda a vida dele (front end) e um backstage, onde fica a maquinaria de funcionamento e os bancos de dados, que não é acessível para o usuário (back end). Essa diferenciação entre o que o outro vê e o segredo que está por trás para ele esquecer de onde sai aquele poder é fundamental para que as coisas digitais cada vez mais determinem as nossas vidas e tenham uma importância quase sacra na nossa existência. As tecnologias se estruturam a partir da lógica do fe(i)tiche.

Outro exemplo de amuleto presente nas sociedades contemporâneas são os desfiles de moda, especialmente os de alta costura. Nas últimas décadas, temos visto cada vez mais a espetacularização dos desfiles e uma tentativa de chocar a audiência não apenas pelas peças de roupa, mas pela apresentação dessas peças. A separação entre o espetáculo visto e o que acontece nos bastidores é fundamental para criar a mágica presente nesses espetáculos e o fe(i)tiche em torno das roupas e marcas envolvidas. Mesmo quando o processo de construção das roupas é exposto, cada detalhe é exacerbado e ele é apresentado como algo quase divino, que está além da capacidade do ser humano, como se as mãos dos artesãos envolvidos no processo fossem a mão de Deus que produz peças tão sublimes.

Esta é a tendência para quem está envolvido na criação de produtos e marcas: é cada vez mais necessário criar produtos que tenham o poder de transformar a vida dos usuários, exacerbando o processo de produção desse produto ao mesmo tempo em que se oculta os bastidores e se esquece que ele foi feito por mãos e cérebros humanos.

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