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Quão estranho é abrir o desafio da aula “Narciso acha feio o que não é espelho” e se deparar com você mesma, em modo de autojustificativa?

A cada vírgula, uma busca incessante por tentar amenizar a própria visão de outra cultura, que parte, afinal, da sua própria cultura. “Um livremente que eu assistia e ficava pensando ‘mulher, se solta, se mexe, libera tudo’.”

Essa fui eu contando sobre a protagonista da série Something in the Rain durante um momento em que ela se encontra sozinha no trabalho e coloca uma música para dançar “livremente”, entre aspas mesmo, porque assim o julguei inicialmente.

Durante todo o meu texto, eu faço sempre um contraponto com meu próprio ponto de vista para tentar assimilar uma cultura que é diferente da minha, que é, portanto, exótica. Entro de forma tão espontânea e natural na armadilha que Lévi-Strauss nos atenta a não cair:

essa tendência de acreditar que outra cultura é inferior ou menos civilizada e de tratá-la em conjunto a outras culturas a partir de linhas evolutivas.

Falo sobre como nosso sangue “ferve”, enquanto eles parecem ficar em silêncio diante de alguma injustiça ou violência. Falo sobre relações familiares hierárquicas, “[...] mas não no sentido que nós entendemos de hierarquia. Tem a ver com tradição, respeito e cultura”. É quase uma tentativa de me desculpar por estar já sempre comparando e partindo de um ponto de partida próprio, que coloca como se eu, brasileira do Centro-Oeste, me expressasse mais (e, portanto, estivesse mais conectada comigo mesma e meus sentimentos) por ter relações diferentes ou por falar com mais gesticulação que Jin-a, a protagonista da série.

A prática é tão engessada, que chega a criar outras armadilhas, como a da autocondenação. Mas, o jogo antropológico nos leva a um lugar de apreciação por se extrair da lógica, no sentido de entender-se dentro do jogo e não como a cidadã inserida dentro de uma sociedade específica.

Só assim é possível ter um olhar para o estranhamento como uma ferramenta metodológica que instiga o questionamento dos porquês e se utiliza do princípio decisivo do relativismo cultural para olhar determinada cultura a partir da alteridade, e não mais de um lugar etnocêntrico e autocentrado.

E é a partir do fazer antropológico pautado no relativismo cultural que o estranho, o diferente, o exótico, dá abertura para novos entendimentos e para a construção de novas possibilidades de comunicação com o Outro, afastando-se da introjeção da nossa própria lógica como única cultura válida.

Afinal, como Laplantine (2003, p. 13) bem aponta, “o conhecimento (antropológico) da nossa cultura passa inevitavelmente pelo conhecimento das outras culturas; e devemos especialmente reconhecer que somos uma cultura possível entre tantas outras, mas não a única”.

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