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O relato de Horace Minner sobre os Nacirema é de fato um clássico quando se trata de ensinar Antropologia. Há uns anos, em outro curso, tive contato com esse texto e, relendo agora, logo me veio um sentimento de já ter visto aquilo. Mas não foi apenas a sensação de já ter lido aquele relato - mas de me reconhecer ali de alguma forma.

O trabalho antropológico de descobrir o outro, tentar ver seu mundo através de seus olhos, colocando em prática o conceito de alteridade, já me parece desafiador por si só. Mas nesse texto de Horace, onde “o outro” é na verdade a sua realidade, a sociedade onde se está inserido, se faz necessário um afastamento ainda maior para que o mindset antropológico entre em ação.

Chegar a esse nível de quase zero alteridade me faz pensar que antes de mais nada precisamos nos desprender de nossas questões e críticas pessoais, ou corremos o risco (ainda maior) de acabar criando empatia pelo objeto de estudo. Empatia, nesse caso, por nós mesmos. Porque nesse cenário, a observação do outro nos leva a observar a nós. E separar isso de uma crítica pode ser bem difícil.

O texto retrata uma sociedade de 1976, entretanto muitas daquelas questões estão presentes até hoje - e certamente que veio daí aquela sensação de reconhecimento que tive inicialmente. Ter nossos rituais de higiene, cuidado com a saúde física e mental, preocupação com a estética e até a forma como lidamos com o sexo colocadas de forma tão imparcial a analítica foi como me colocar na frente de um espelho e me analisar, sem empatia nem solidariedade, apenas de forma analítica com o claro objetivo de destacar aquilo que o objeto de estudo traz.

Fica claro, então, como é importante, para termos um mindset antropológico, se desprender dos nossos juízos de valor, opiniões e até “desculpas” por nos comportarmos como nos comportamos. Apenas observar e relatar aquilo que é visto, indo além do que se vê no espelho.

(Ilustração: @henn_kim)

Nota do moderador: Nacirema lido de trás pra frente quer dizer American. Horace Miner está falando do povo norte-americano, no qual ele se inclui. Não existe um povo chamado Nacirema. O texto busca justamente brincar com a ideia de exótico que temos quando olhamos para outros povos, e mostrar que olhados de fora, nós modernos ocidentais também podemos ser exóticos para os outros.

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