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Daqui de casa eu percebo a presença dos vizinhos pelos sons. A família que contratou um personal, as crianças brincando na quadra, os telefonemas nas janelas, as discussões, o arrastar de cadeiras nas varandas, as obras nos apartamentos...

Avisto daqui o segundo andar do prédio ao lado, vejo o apartamento todo, quatro janelas e uma varanda. Da esquerda para a direita, as duas primeiras janelas são da suíte e do quarto, a terceira de um quarto que foi incorporado à sala com varanda e a quarta janela pertence à cozinha. Esse é o apartamento da Dona Iolanda, uma senhora que já se mudou há algum tempo e hoje passa os dias numa cama hospitalar. Ela convive com enfermeiras, uma provável curadora e uma fisioterapeuta. E todos os dias ouço o abrir e fechar da janela do seu quarto.

Dona Iolanda se mudou para lá sozinha, quase não a vi receber visitas ou parentes. O apartamento passou por uma reforma, o espaço da sala foi aumentado retirando a parede do terceiro quarto, a porta entre a sala e a varanda foi trocada por um blindex o que possibilitava ver parte dos móveis incluindo um vaso comprido e verde claro e também o piano que Dona Iolanda costumava tocar, o que me despertou olhar mais para o interior da casa. Com o tempo fui percebendo que era sempre a mesma sequência de três músicas que aos poucos foram ficando incompletas até cessarem. Ela sempre pareceu gostar de música, batia palmas e batucava no parapeito da varanda.

Hoje a varanda armazena a caixa do ar-condicionado, pisos de cerâmica e lâminas de vidros empilhados apoiando objetos de restos de obra e uma cadeira com as pernas para cima. Ao centro, duas cadeiras de madeira postas lado a lado. Agora as cortinas de tecido branco e bege ficam fechadas. O vão da varanda assim como das janelas possuem redes de proteção.

A suíte de Dona Ioiô fica com as cortinas abertas durante o dia, consigo ver suas pernas, às vezes as mãos e os pés se mexendo, talvez batucando alguma música. Por ali circulam as enfermeiras, uma delas, vez ou outra, se debruça no parapeito da janela e com a máscara no queixo, troca uma conversa rápida pelo celular, tendo uma ou outra palavra mais alta. Mas foi ouvindo a fisioterapeuta falando “Vai Ioiô”, “Isso, Dona Iolanda” que eu passei a chamá-la de Dona Ioiô.

O segundo quarto tem uma cama e as cortinas ficam abertas durante o dia. Imagino que a provável cuidadora (a identifico assim) durma lá. Ela é uma senhora loura bem discreta e por volta das duas da tarde costuma se sentar na varanda para falar com alguém ao celular, a ligação dura em torno de 10 a 15 minutos. Sempre muito séria, não é possível ouvir a conversa, somente o som dos “s” chama atenção. Às vezes uma das enfermeiras senta ao seu lado e as duas ficam conversando também ao som dos “s”, a conversa é mais longa. Ela parece lhe ensinar alguma coisa...

O que diferencia essa cuidadora das enfermeiras é que ela não usa roupa branca, veste uma blusa e bermuda, geralmente pretos, com chinelo nos pés. Hoje a tarde, no mesmo horário, sentou-se novamente em sua cadeira na varanda, pernas cruzadas, mas seu destinatário não atendeu. A conversa ocorreu minutos depois na janela da cozinha. Ela variou os gestos entre se debruçar no parapeito e voltar o corpo um pouco para dentro da cozinha, sempre segurando o celular com a mão esquerda, deixando a direita para ajeitar um pano e um par de chinelos, tocar seu rosto ou alisar a rede de proteção. Novamente a conversa não teve risadas ou exclamações, nem palavras mais altas, continuou ao som dos “s” e o olhar quase sempre baixo ou na sua altura.

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