Se na química “nada se perde, nada se cria, tudo se transforma”, na publicidade “nada se perde, nada se cria, tudo se copia”. Ou como nos fala Carrascoza (2008), o processo criativo da construção de anúncios é baseado na bricolagem:
“Como a propaganda visa um público definido [...] é recomendável o uso de discursos já conhecidos desse target pela dupla de criação no processo de bricolagem. O objetivo, obviamente, é facilitar a assimilação, dando-lhe o que de certa forma já conhece - embora haja um trabalho para vestir esse conhecimento já apreendido, que é a própria finalidade do ato publicitário”. (CARRASCOZA, 2008, pág. 23 e 24).
A criação de anúncios é um hábito constante no cotidiano publicitário e por isso o processo de bricolagem não é só um método, mas uma necessidade afinal, imaginem ter que inventar todos os dias publicidades do nada, impossível. O processo de bricolagem se expande para a forma de vestir-se nos espaços de trabalho: calça skinny, camisa descolada, jaqueta jeans, all star. Eu posso apostar que qualquer jovem publicitário(a) consegue pegar essas peças de olhos fechados no seu guarda-roupas. Não que todos os dias se use as mesmas peças, mas a praticidade faz com que o combo se repita algumas vezes na semana e “é preciso ver técnicas e a obra da razão prática coletiva e individual, lá onde geralmente se vê apenas a alma e suas faculdades de repetição” (MAUS, 1935, pág. 404). O habitus é um facilitador:
“É graças à sociedade que há uma intervenção da consciência. Não é graças à inconsciência que há uma intervenção da sociedade. É graças à sociedade que há segurança e presteza nos movimentos, domínio do consciente sobre a emoção e o inconsciente”. (MAUS, 1935, pág. 421)
E a cultura impressa nos corpos é identidade e pertencimento:
“A criança, como o adulto, imita atos bem-sucedidos que ela viu ser efetuados por pessoas nas quais confia e que têm autoridade sobre ela. [...] É precisamente nessa noção de prestígio da pessoa que faz o ato ordenado, autorizado, provado, em relação ao indivíduo imitador, que se verifica todo o elemento social. No ato imitador que se segue, verificam- se o elemento psicológico e o elemento biológico”. (MAUS, 1935, pág. 405)
A esses fatos deve-se o exemplo de eu ter entrado na faculdade de Publicidade sem nenhuma tatuagem e ter saído com nove (e um piercing no nariz), sendo que a primeira (e talvez as outras todas) foram feitas contra a vontade da minha mãe. Mas por outro lado, devo a ela o fato de eu ainda ter minha cintura no lugar, já que ela nunca me deixou usar as calças de cós ultra-mega-baixo da marca Sk8, mesmo que isso tenha me rendido uma inveja danada das meninas que as usavam. E por falar em mãe, a minha entrou em choque no dia que contei para ela que acho ridículo aquele penteado rabo-de-cavalo (ralo) no topo da cabeça das bebês, apesar de saber que culturalmente ele é o mais aceito.
Ainda sobre a faculdade, nas turmas das instituições de Santa Maria é muito comum nos primeiros semestres serem feitos moletons e pastas do curso. Na minha vez, foi até motivo de briga e ao relatar isto a uma professora ela me disse: “se vocês soubessem que daqui no máximo um ano o que vocês vão querer mesmo é ser diferente de todo mundo, não brigariam para parecerem iguais agora”. Não deu outra, começamos logo depois a busca por ser diferente, aí vieram as tatuagens, as tinturas no cabelo, os furos pelo corpo… Basicamente todos e todas buscando o diferente da mesma forma. Existe a cultura do estudante de comunicação descolado, não adianta.
E então, respondendo a pergunta: o que as marcas ou trejeitos de meu corpo contam sobre a minha cultura? Contam que, entre outras coisas, eu sou uma publicitária diferentemente descolada ou descolada diferentemente, algo assim.