Mesmo começando 'O Ritual do Corpo entre os Nacirema' - Horace Minner com a intenção de total distanciamento da minha realidade, tentando enxergar com alteridade essa cultura já introduzida como algo curioso até para antropólogos, chegou a um ponto da leitura em que não pude evitar de ver os Nacirema não como algo distante e desconhecido, mas como uma metáfora criada para descrever como nosso comportamento "civilizado" pode parecer estranho quando visto de outra perspectiva.
Os santuários domésticos me lembraram dos perfis no Instagram, onde nossos rituais de imagem acontecem.
Assim como os santuários, esses perfis são lugares que recebem reconhecimento de acordo com seu tamanho (número de seguidores, engajamento), e estrutura (onde as fotos foram tiradas, com quais roupas, em quais grupos…). A cada nova conquista (aprovação), nos empenhamos em buscar outro e mais outro frasco mágico, sempre encontrando algo a ser preenchido e melhorado, numa busca incessante por algo que nem sabemos onde realmente vai nos levar, só fazemos pois é assim que pessoas hoje em dia existem, são notadas.
Reconheci nossos #tbts como a arca de magias, onde depositamos os frascos já usados e sem mais utilidade, servindo apenas para lembrar que houve um momento bom no passado, de cura, nos mantendo seguros de que mesmo sem estarmos em situações interessantes no presente, a curtida e reconhecimento estão garantidos.
O “homem-da-boca-sagrada” são os canceladores que têm a verdade e que punem os demais por terem usado a boca de maneira errada. Basta se expressar publicamente que já estará dentro de seu consultório sendo analisado. Abrem ainda mais a ferida do erro e despejam o que acham ser correto, querendo ver o sofrimento do "doente", tornando tudo ainda mais doloroso e sem evidências de melhora.
A consulta com o "homem-da-boca-sagrada" também é periódica por aqui: a cada 5 tweets, mais ou menos.
Querendo ou não também somos masoquistas, acreditamos e confiamos em líderes sádicos e nos submetemos a muitos tipos de humilhação em troca do mínimo. Isso vai desde procedimentos estéticos, implorar por atendimento médico ou pagar o dízimo na igreja se você quer um lugar ao céu. Quem tem pouco, merece menos ainda.
O “escutador” são os psicólogos que tentam entender a causa dos problemas, apenas ouvindo e descobrindo a raiz dos pensamentos que, mesmo depois de consertar o físico, continuam a ser visitados por vozes endemoniadas, insatisfeitas, duvidosas.
Cultuamos a imagem e as relações assim como eles, elevando isso a tão alto nível que não vemos o quão é prejudicial e sem sentido aparente. Conhecer os Nacirema abriu um questionamento ainda maior sobre como pensam e vivem. Não eles, nós.
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Nota do moderador: Nacirema lido de trás pra frente quer dizer American. Horace Miner está falando do povo norte-americano, no qual ele se inclui. Não existe um povo chamado Nacirema. O texto busca justamente brincar com a ideia de exótico que temos quando olhamos para outros povos, e mostrar que olhados de fora, nós modernos ocidentais também podemos ser exóticos para os outros.