No texto anterior sobre o processo de estranhamento, eu apontei para uma viagem feita a Portugal e o que me causou estranhamento foi o fato de achar que a língua portuguesa falada por lá, embora tenha o mesmo nome que a nossa aqui, tem caminhos diferentes. Apontei para um episódio que pareceria uma anedota, mas que aconteceu. Pois bem, volto a este mesmo episódio para olhá-lo com olhos mais atentos e por que não, outras e novas lentes.
A lente que estou olhando agora me faz olhar também para a minha forma de falar, o meu português que não é o de Portugal, mas um brasileiro. Falamos aqui de modos menos literais que os nossos irmãos lusitanos, sem dúvidas. O que me faz pensar sobre a(s) nossa(s) língua(s), ou como poderia ser mais apropriado o pêndulo das nossas línguas. Temos a mesma língua, mas falamos e nos entendemos de forma diferente.
De início na vida escolar aprendemos a olhar para o português de Portugal como uma língua mãe, assim de forma mais hierarquizada, ou seja, ela nos deus o que nós temos hoje. E levamos estas impressões ao longo da vida. Tratamos esta língua de forma diferente, superior. Muito disso talvez venha da nossa herança colonial de olhar o que é estrangeiro como melhor, mais moderno e sobretudo, superior.
Ao olhar para a nossa língua de forma a estranhá-la me pus a pensar sobre o nosso português brasileiro que se diferencia do português lusitano não em estrutura frasal mas em compreensão para quem ouve. O português brasileiro revela um jogo de esconde-esconde. Revela-se e esconde-se. Uma canção do Kid Abelha dizia: “Dizer não é dizer sim”. Claro que no contexto da canção tratava-se do jogo de sedução, mas este verso nos apresenta de certa maneira o complexo jogo de interesses articulado na nossa língua.
Ao estranhar a língua do outro e reconhecer a minha nesse exercício coloquei em xeque a ideia da hierarquização que apontei mais acima. Sair de uma ideia aparentemente tão natural para compreender que há nuances de igual beleza entre as duas. Mas foi preciso olhar para uma que eu havia aprendido que seria superior à língua que eu falo para compreender tal beleza.