{"status":200,"response":{"result":"PUBLIC_ARTICLES_RETRIEVED","data":{"count":1,"content":[{"id":"60a9cec8881c157987e7f35a","updated":"2021-05-27T22:34:22.847Z","created":"2021-05-23T03:40:55.988Z","statuses":{"approval_status":"approved","publish_status":"published","visibility_status":"public","has_pending_changes":false,"is_pinned":false,"is_paywall_disabled":false,"scheduled_date":null,"rejection_reason":null},"metadata":{"location":"home","location_slug":"blog","content_type":"post","publish_date":"2021-05-27T22:34:23.024Z","likes_count":0,"bookmarks_count":0,"comments_count":0,"score":"2021-05-27T22:34:23.024Z","sharing_title":"O que é a falta de saneamento básico senão o reflexo da desigualdade?","sharing_description":null,"sharing_image":"https://5f1ae31a2b397e299b74e383.redesign.static-01.com/f/images/7d560f9ba077143c336f4203debb53c88b96818b.jpg","tag_ids":["5f8ce35381b1363685a631c0","60a9cec8881c157987e7f358","60a9cec8881c157987e7f359"],"author_user_id":"60268b10b7734866b0376379","moderator_user_id":"5f8ddcae6452e87432b42d25","project_id":"5f1ae31a2b397e299b74e383","course_id":null,"course_module_id":null,"group_id":null,"version":1,"tags":[{"id":"5f8ce35381b1363685a631c0","title":"estranhamento","slug":"estranhamento","project_id":"5f1ae31a2b397e299b74e383"},{"id":"60a9cec8881c157987e7f358","title":"Aula V","slug":"aula-v","project_id":"5f1ae31a2b397e299b74e383"},{"id":"60a9cec8881c157987e7f359","title":"banheiro","slug":"banheiro","project_id":"5f1ae31a2b397e299b74e383"}]},"content":{"title":"O que é a falta de saneamento básico senão o reflexo da desigualdade?","slug":"o-que-e-a-falta-de-saneamento-basico-senao-o-reflexo-da-desigualdade","cover_image":"https://5f1ae31a2b397e299b74e383.redesign.static-01.com/l/images/7d560f9ba077143c336f4203debb53c88b96818b.jpg","headline":"E o que essa diferença social fala sobre o Brasil?Anteriormente eu relatei uma das experiências que mais me causaram estranhamento. Falei do momento em que me senti vulnerável e, ao","main_content":"

E o que essa diferença social fala sobre o Brasil?

Anteriormente eu relatei uma das experiências que mais me causaram estranhamento. Falei do momento em que me senti vulnerável e, ao mesmo tempo, incomodada por precisar ir para o mato para fazer as minhas necessidades. Eu ainda era criança e não entendia porque em Malhadinha, um município que fica em Formosa do Rio Preto, no interior da Bahia não havia banheiro da casa da Tia Odete, irmã do meu avô.

Não precisei ir para o mato por um único e isolado momento e sim porque essa era a maneira que o faziam. Não porque queriam ou gostavam deste costume e sim porque haviam outras prioridades.

Eu estava hospedada na casa da Tia Odete e lá me deparei com uma casa pequena. A água ficava em um vaso de barro e era posta com uma concha em um copo de alumínio que formava um conjunto com outros copos. Depois eu observei que nem sempre eram lavados e sim colocados de cabeça para baixo para secar. Lá a gente tomava banho numa barraca de madeira que ficava fora da casa e o chuveiro era improvisado com uma mangueira e uma latinha. O “vaso” mesmo era o próprio mato. Assim, a céu aberto.

Como estava viajando para conhecer a origem da minha família, também visitei outras casas. Só então fui percebendo como algumas famílias tinham espaços diferentes para tomarem banho ou fazerem as suas necessidades. Poderia ser feito no mato, em uma cabana distante da casa e em alguns lugares eram até uma cabana mais alta. E por fim, algumas pessoas já tinham um banheiro dentro de casa.

Uma dessas pessoas que tinham banheiro dentro de casa era a minha Tia Avó Catarina. Ela morava em Mandacaru, em outro município. O banheiro seguia a estética da casa com chão batido, paredes azuis e assim como os outros cômodos, ele era dividido por essas paredes azuis que não se estendiam até o teto. Havia um vaso simples, chuveiro, pia e não tinha espelho. Era mais que um banheiro. Era uma conquista e o motivo dela pelo que comentaram e eu me lembro é que a Tia Catarina tinha algumas cabeças de gado que lhe renderam uma graninha. E também porque já estava idosa e já não andava tão bem.

Observação: Lá eu percebi como a velhice nos obriga a nos adaptarmos para que possamos envelhecer bem. Dado que os nossos corpos são instrumentos que também moldam a nossa cultura.

Entendendo a lógica que haviam três tipos de pessoas, as que iam para o mato, as que tinham uma cabana e aquelas que tinham o cômodo. Observa-se como o banheiro ou a falta dele é um marcador social para aquele contexto. Entretanto, mesmo cerca de 15 anos depois ainda reflete a desigualdade no Brasil.

De acordo com uma pesquisa feita em 2020 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), cerca de 2,8% da população brasileira, o equivalente a 5,7 milhões de pessoas, não têm acesso a um banheiro exclusivo ou utilizam de um buraco. Enquanto 0,4% tem o banheiro, mas compartilham o local com um ou mais lares. Quase todas as moradias que não contam com o cômodo estão situadas na região Norte e Nordeste.

A falta do banheiro demonstra a falta de saneamento básico, porém o IBGE só classifica assim as pessoas que não possuem simultaneamente, coleta de lixo, abastecimento de água e esgoto. Logo, os dados que eu trouxe podem mascarar uma realidade ainda pior.

Vale dizer que além do custo de construir um cômodo e todo o encanamento necessário, é preciso contar que a cidade tenha um projeto para o abastecimento de água e escoamento da mesma e essas dificuldades a Dona Júlia já está calejada de saber.

Vídeo do Relato da Dona Júlia:

“Banheiro é o seguinte: quem quiser fazer uma casinha para ir ficar lá dentro, faz. Quem não quiser, vai para o mato…”
“Quem quer e pode pagar, faz um puxadinho para a sua casa. Eu não pago e não tenho paciência de esperar pelos carros pipa (da prefeitura)...”

No vídeo a Dona Júlia fala que tem banheiro para se banhar e quem quiser o banheiro para evacuar ou constrói, ou vai para o mato. Logo, é possível perceber como a intimidade comum para alguns, é optativa para outros dado as suas condições e prioridades.

Percebe-se como além de elemento de distinção, o banheiro passa a ser uma conquista e não apenas nessas regiões mais atingidas pela precarização. É comum ver alguns brasileiros tendo o costume que nem todos entenderiam como ter um conjunto de crochê para enfeitar o banheiro. Esse hábito demonstra o zelo pelas conquistas e tem a mesma origem do paninho que cobre a TV, o filtro de água e até da roupinha do botijão de gás. Se bem que hoje serviria mais para esconder o botijão do que para enfeitá-lo, já que ele tá um absurdo.

Ainda falando sobre a relação de banheiros como marcador social e o descaso do Estado com algumas regiões. No final de 2020 foi aprovado o novo Marco Legal do Saneamento básico que possui as seguintes metas:

Meta de 99% da população com água potável em casa até dezembro de 2033;
Meta de 90% da população com coleta e tratamento de esgoto até dezembro de 2033;
Ações para diminuição do desperdício de água aproveitamento da água da chuva;
Estímulo de investimento privado através de licitação entre empresas públicas e privadas;
Fim do direito de preferência a empresas estaduais;
Se as metas não forem cumpridas, empresas podem perder o direito de executar o serviço;

De acordo com o Ministério da Economia, o novo Marco Legal do saneamento deve alcançar mais de 700 bilhões de reais em investimentos e gerar por volta de 700 mil empregos no país nos próximos 14 anos.

O Marco pode ser visto de uma maneira otimista, mas só vai ser efetivo a partir do momento que todas as partes envolvidas se comprometeram: governo federal, estadual e municipal. Porém, fica claro que o saneamento básico mesmo sendo um direito garantido, não é concedido a todos ainda. Falta integração das partes, bem como planejamento, licenciamento e financiamento.

Portanto, considerando que no Brasil a desigualdade é uma velha conhecida e que o projeto de saneamento básico no país é relativamente novo (e nunca foi prioridade), ainda temos muito o que evoluir. De maneira retroativa, a Lei de Saneamento Básica foi sancionada em 2007, em 1970 houve um Plano Nacional e em a comercialização destes serviços foi em 1940. Creio que seria necessário um bom investimento de dinheiro e pesquisa para que todo o Brasil pudesse ser atendido.

Resumindo: é possível observar como o brasileiro tem o banheiro como status, mas também um grito de sua privacidade e aconchego. Não é à toa que as pessoas se sentem desconfortáveis ao usar um banheiro que não sejam o delas, que histórias sobre dor de barriga e suas consequências causa tanto constrangimento ou piadas. O banheiro não é apenas um espaço físico e sim um elemento capaz de definir a cultura de um povo, as classes que compõem este grupo e ainda mostrar como o Estado lida com o seu povo.

Observação: Hoje a Tia Odete já tem o seu banheiro e sua casa inteira reformada.

E para finalizar: Todo mundo faz merda, mas sem dúvidas quem administra o dinheiro público faz mais.

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E o que essa diferença social fala sobre o Brasil?

Não precisei ir para o mato por um único e isolado momento e sim porque essa era a maneira que o faziam. Não porque queriam ou gostavam deste costume e sim porque haviam outras prioridades.

Observação: Lá eu percebi como a velhice nos obriga a nos adaptarmos para que possamos envelhecer bem. Dado que os nossos corpos são instrumentos que também moldam a nossa cultura.

Vídeo do Relato da Dona Júlia:

Meta de 99% da população com água potável em casa até dezembro de 2033;
Meta de 90% da população com coleta e tratamento de esgoto até dezembro de 2033;
Ações para diminuição do desperdício de água aproveitamento da água da chuva;
Estímulo de investimento privado através de licitação entre empresas públicas e privadas;
Fim do direito de preferência a empresas estaduais;
Se as metas não forem cumpridas, empresas podem perder o direito de executar o serviço;

Observação: Hoje a Tia Odete já tem o seu banheiro e sua casa inteira reformada.

E para finalizar: Todo mundo faz merda, mas sem dúvidas quem administra o dinheiro público faz mais.

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