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Técnicas do corpo e cultura digital

Clarissa Gomes
mar. 23 - 3 min de leitura
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No texto "As Técnicas do Corpo", de Marcel Mauss, o autor explica como os movimentos do corpo humano ultrapassam os moldes biológicos e fisiológicos e são comandados pela "educação", isto é, pelo convívio social. A cultura determina, em cada sociedade, maneiras distintas de manejo corporal, que nada mais são do que o reflexo da mentalidade e dos valores daquele grupo ou instituição.

A cultura se introjeta nos nossos corpos através da transmissão de um conjunto de gestos e comportamentos que passam de geração em geração. A nossa maneira de falar, andar, dançar, sentar e dormir vai se transformando ao longo do tempo, de acordo com o que nos é ensinado. O corpo absorve as características de determinadas temporalidades e espacialidades, adaptando-se e servindo às necessidades culturais de contextos específicos. Aprendemos a conduzir nossos corpos de certas maneiras e essa capacidade, que vai além de qualquer programação genética, nos define como seres sociais.

Em 2021, vivemos a era do capitalismo neoliberal, muito calcado na digitalização e nos avanços da tecnologia. Na economia digital em que estamos inseridos, gadgets como smartphones, tablets e computadores portáteis se tornaram essenciais para a vida em sociedade. A pandemia do covid-19 acelerou essa relação de dependência; as atividades presenciais foram substituídas por videoconferências, videochamadas, EAD, trabalho remoto, e tantos outros. A adaptação às tecnologias e softwares digitais se impôs com ainda mais força nesse contexto.

Assim, nosso corpo vem sendo continuamente treinado para responder à digitalização da vida. Crianças de 1 ano de idade já mostram uma habilidade quase intuitiva de operar um touchscreen - usam o dedo indicador para arrastar itens na tela em jogos online, usam o polegar para destravar o aparelho, conseguem reconhecer e saber como pular um anúncio indesejado durante um vídeo, e por aí vai. Adolescentes e adultos também estão mudando sua postura em função do uso contínuo de celulares. Há estudos sobre número elevado de problemas de coluna causados pelo tempo gasto olhando para baixo, em direção à tela - o já conhecido text neck.

Cada vez mais, vemos a necessidade de nos adaptarmos e transformarmos nossa biologia em prol da digitalização. Ao usar ferramentas de pesquisa como extensões do nosso cérebro, terminamos ativando a memória e cognição de maneira diferente da geração anterior. Não temos mais a "obrigação" de saber informações de cor, decorar endereços ou números de telefone. Contamos com os serviços de busca como um cérebro exterior ao nosso, ao qual sempre podemos recorrer - enquanto houver bateria, claro.

Há quem esteja levando a incorporação da cultura digital a níveis extremos. Os ciborgues já são uma realidade - implantes neurais, que transformam a maneira como a mente funciona e aumentam determinadas percepções, já estão sendo testados. O grau de inserção da cultura digital em nossos corpos é um dos campos mais discutidos atualmente e tem potencial para alterar radicalmente a forma como convivemos em sociedade. A cultura digital sem dúvidas avançará, e o corpo humano do futuro vai tender a se comportar de maneira muito diferente do que é considerado "natural" hoje em dia.


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