Trabalhando no mercado de Experiência do Usuário há mais de 15 anos, "empatia" se tornou, ao longo do tempo, uma palavra do meu dia a dia. E, como inúmeras outras, caiu tanto no gosto desse nicho que passou de vanguarda a clichê. Pode acompanhar qualquer evento de UX e você vai completar o bingo do design centrado no usuário: "empatia" vai fazer parte de nove em cada dez apresentações.
Felizmente eu já havia me deparado com o conceito de alteridade por meio de antropólogos que atuam na área de UX. Entretanto, confesso que seu significado havia ficado meio nebuloso para mim até essa primeira aula. O que eu já sabia, e professava, era que a empatia plena era uma ilusão.
Há mais de dez anos conduzo pesquisas com usuários - sei também que "usuário" é um termo problemático, mas aqui vou usá-lo para determinar pessoas que utilizam a internet de maneira geral e não clientes de um produto específico. Durante essa experiência, a alteridade sempre se fez presente, desde a elaboração do roteiro das entrevistas: como será que o outro vai navegar neste aplicativo? O que ele vai entender deste texto? Ele vai conseguir completar a tarefa principal deste app? São perguntas que costumam guiar qualquer teste de usabilidade.
Um aspecto curioso das entrevistas é que os participantes costumam expressar sua própria dificuldade com exemplos que evidenciam seus preconceitos (e da própria sociedade): "eu consegui, mas minha mãe não conseguiria". Quando alguém exprime esse tipo de pensamento está se permitindo um momento de alteridade?
Fazer pesquisa, eu brinco, também é cair do cavalo. Frequentemente o pesquisador insere perguntas que visam explorar suas próprias dificuldades e suposições a respeito da interface e se surpreende com a compreensão que o outro demonstra. Ao mesmo tempo, os entrevistados contribuem com achados que o pesquisador nunca poderia supor sozinho porque cada experiência, trajetória, contexto e pacote de referências é individual; portanto, as percepções a respeito da tecnologia também são.
Um exemplo que ajuda a tangibilizar esse raciocínio: uma vez estávamos analisando um aplicativo de uma marca que era um joguinho para crianças pequenas. Antes de entrar no jogo propriamente dito, era preciso preencher um breve cadastro. Durante uma das entrevistas, uma menina, por volta dos 6 anos, teve o seguinte diálogo com o pai, que a acompanhava na sessão:
Feminino ou masculino?
Você é menino ou menina?
Menina!
Então é o quê?
[Voz hesitante] Feminino…
Ninguém que trabalhou na confecção do aplicativo, nem nós que estávamos fazendo a análise, nem mesmo eu que já fui uma menina de seis anos nos atentamos para o fato de que a linguagem utilizada na interface não era adequada ao público-alvo. Um exemplo simples que demonstra como a alteridade de fato é importante quando projetamos as interfaces digitais nas quais vamos trabalhar. A pesquisa é uma maneira de romper essa barreira, fazendo da alteridade um guia para decisões de interface - e, mais importante, de negócio.